segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O que falta para o Brasil equilibrar sua matriz de transporte

 Artigo escrito por Marco Antonio Oliveira Neves, Diretor da Tigerlog Consultoria e Treinamento em Logística Ltda

Desde e década de 60 o Brasil vem optando pelo modal rodoviário, impulsionado pelos investimentos do setor público e pela incapacidade dos demais modais em atender às demandas dos Embarcadores. Atualmente o modal rodoviário representa ao redor de 60% do total de TKU (Toneladas por Quilômetro Útil) transportadas, enquanto que o modal ferroviário e aquaviário, juntos, não chegam a responder por 35% do total de TKUs transportados No Estado de São Paulo, a concentração do transporte de cargas no modal rodoviário é ainda maior, e representa 93% do total de TKUs.

Nos 27 países que compõem o Mercado Comum Europeu, há também um predomínio do modal rodoviário, que responde por 76,4% do total de TKUs, enquanto que as ferrovias e as aquavias representam 17,1% e 6,5% respectivamente. Em alguns países europeus a predominância do transporte de cargas através de caminhões é assustadora; é o caso do Chipre (100%), Islândia (100%), Irlanda (99,2%), Grécia (98,0%), Espanha (95,8%), Turquia (94,9%), Portugal (93,9%), Luxemburgo (93,5%) e Itália (90,4%).

Somos, porém,  um país de dimensões realmente continentais. Aqui caberiam 16 países como a França, 17 como a Espanha, 24 como a Alemanha, 28 como a Itália, 35 como o Reino Unido,  65 como a Grécia, 93 como Portugal, 207 como a Suíça e 284 como a Bélgica.

Comparando o Brasil com outras nações tão extensas territorialmente, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, China e Rússia, identificamos nesses países a existência de políticas governamentais e ações do setor privado buscando um maior equilíbrio entre os modais. Nos Estados Unidos, por exemplo, considerando apenas os três modais principais, as rodovias respondem por 32% do total de TKU transportadas,enquanto que as ferrovias e as aquavias abocanham 43% e 25% do total de TKU respectivamente. No Canadá o modal ferroviário responde por 46% do total de TKU, enquanto que na Rússia representa 81% e na Austrália 43%.

Por aqui, ainda continuamos muito distantes de uma política clara de valorização e desenvolvimento dos outros modais. Nos últimos anos avançamos muito pouco na redução da dependência do modal rodoviário, o que compromete a competitividade brasileira na exportação de produtos de baixo valor agregado, do qual somos extremamente dependentes, como minério de ferro, soja, açúcar, etc.

Felizmente, fomos abençoados por Deus, e dispomos de um litoral maravilhoso, que se estende desde o cabo Orange até o arroio Chuí, numa extensão de 7.408 km, que aumenta para 9.198 km se consideramos as saliências e as reentrâncias do litoral, no qual contamos, atualmente, com mais de 30 portos em operação.

Mesmo com tantas benesses naturais, ao olhar para frente, entretanto, não enxergamos perspectivas tão otimistas.

A cabotagem tem evoluído de maneira satisfatória, mas mesmo assim, aquém das expectativas do mercado, quando tratamos das tarifas e do nível de serviço. Os custos, que deveriam ser 30% a 40% inferiores ao do modal rodoviário, encontram-se em patamares muito próximos ao dos caminhões, quando consideramos o trecho total. A nova lei que trata da jornada de trabalho dos motoristas, limitando-a a no máximo 10 horas por dia, tende a transferir uma parcela razoável da carga hoje transportada no modal rodoviário para a cabotagem. Mas se isso ocorrer, teremos linhas suficientes cobrindo as longas distâncias?  Os portos atuarão de forma eficiente, minimizando o tempo de retenção das embarcações? Os tempos em trânsito serão realmente competitivos? O volume será suficiente para gerar reduções de custos com ganhos oriundos da economia de escala?

Contamos com 42.000 km de hidrovias, porém utilizamos ao redor de 30% disso para o transporte de cargas. Vários fatores contribuem para o baixo desenvolvimento desse modal, como a falta de investimentos do setor público, restrições ambientais, obras dificultando a passagem das embarcações (pontes por exemplo), inexistência de eclusas para transpor os obstáculos criados pelas usinas hidrelétricas, etc.

Desde a sua privatização em 1.996 o modal ferroviário vem recebendo investimentos das concessionárias, que ao longo desses 16 anos contribuíram com  cerca de 33,5 bilhões de reais, correspondente a 95% do total investido no setor, ou seja, a parcela que coube ao setor público foi de apenas 5%. Os investimentos das concessionárias tem se restringido à recuperação da malha existente e na ampliação da capacidade de produção com a aquisição de locomotivas e vagões. As concessionárias preveem investir mais 16 bilhões de reais até 2015.  Esses investimentos são importantes para o setor obviamente, mas não é suficiente para resolver os principais entraves do modal ferroviário, como a falta de uniformização das bitolas, a invasão das faixas de domínio, a baixa velocidade de circulação das composições, as passagens de nível, etc.

A malha ferroviária encontra-se estacionada em 30.000 km desde a década de 60. A ampliação é cara e demorada, e depende do setor público e da iniciativa privada. O Projeto da Ferrovia Transnordestina, colocado em pauta pelo Governo de Pernambuco em meados da década de 80, que pelo projeto atual passará pelos Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará e atingirá dois portos, em Suape (PE) e Pecém (CE), está prestes a comemorar 30 anos e até agora pouco foi feito. A conclusão está prevista para 2016, e o valor do projeto, inicialmente estimado em 4,5 bilhões de reais, saltou para 7,5 bilhões de reais!

A malha ferroviária precisaria ser, no mínimo, dobrada nos próximos anos para dar conta da movimentação de materiais como minério de ferro, carvão mineral, soja, milho, etc. Isso deverá representar um investimento de 50 a 70 bilhões de reais!

Na carga aérea vivemos um cenário inusitado. Dispomos de pouquíssimas opções de empresas brasileiras exclusivamente dedicadas ao transporte de cargas e dependemos do espaço existente nos porões dos aviões de passageiros da TAM, GOL, Avianca e Azul/Trip. A maior empresa do setor, a Varig Log, simplesmente deixou de existir, mesmo contando com praticamente nenhum concorrente no mercado.

Não faltam boas ideias, projetos e recursos financeiros. Além da questão crônica do combate à corrupção e desvio de recursos, falta capacidade de planejamento, gestão e execução dos órgãos públicos diretamente envolvidos com o setor de transportes como as agências ANTT, ANTAQ, ANTF, Ministério dos Transportes, DNIT, DER e EBPL (recentemente criada pelo Governo Federal). Falta também uma integração e um consenso entre esse órgãos públicos e os sindicatos de transporte e as mais importantes federações da indústria e comércio do país. E falta uma participação mais ativa dos especialistas em transportes, procurando reduzir a conotação política e eleitoreira atribuída ao tema em todo o país.


As eleições se aproximam e o assunto voltará à pauta dos candidatos, servindo como plataforma para a (re) eleição de muitos deles. Novas promessas serão feitas, novas cifras serão requisitadas e novos PACs serão criados. Será que desta vez vai? Já passou da hora de ir. Muitas obras serão realizadas com atrasos de 10, 20 e até 30 anos. Os gargalos da infraestrutura estão cada vez mais aparentes e seus resultados são cada vez mais perceptíveis e impactantes em toda a população e setores da economia. Na terceira semana de julho deste ano, em pleno período de férias escolares, a cidade de São Paulo atingiu um novo recorde de congestionamento, de 300 km. Outras cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Vitória e Florianópolis sofrem com o mesmo problema de mobilidade urbana. Até quando esperaremos?

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