Artigo
escrito por Marco Antonio Oliveira Neves, Diretor da Tigerlog Consultoria e
Treinamento em Logística Ltda
Desde e década de 60 o Brasil vem
optando pelo modal rodoviário, impulsionado pelos investimentos do setor
público e pela incapacidade dos demais modais em atender às demandas dos
Embarcadores. Atualmente o modal rodoviário representa ao redor de 60% do total
de TKU (Toneladas por Quilômetro Útil) transportadas, enquanto que o modal
ferroviário e aquaviário, juntos, não chegam a responder por 35% do total de
TKUs transportados No Estado de São Paulo, a concentração do transporte de
cargas no modal rodoviário é ainda maior, e representa 93% do total de TKUs.
Nos 27 países que compõem o
Mercado Comum Europeu, há também um predomínio do modal rodoviário, que
responde por 76,4% do total de TKUs, enquanto que as ferrovias e as aquavias
representam 17,1% e 6,5% respectivamente. Em alguns países europeus a predominância
do transporte de cargas através de caminhões é assustadora; é o caso do Chipre
(100%), Islândia (100%), Irlanda (99,2%), Grécia (98,0%), Espanha (95,8%),
Turquia (94,9%), Portugal (93,9%), Luxemburgo (93,5%) e Itália (90,4%).
Somos, porém, um país de dimensões realmente continentais.
Aqui caberiam 16 países como a França, 17 como a Espanha, 24 como a Alemanha,
28 como a Itália, 35 como o Reino Unido,
65 como a Grécia, 93 como Portugal, 207 como a Suíça e 284 como a
Bélgica.
Comparando o Brasil com outras
nações tão extensas territorialmente, como Estados Unidos, Canadá, Austrália,
China e Rússia, identificamos nesses países a existência de políticas
governamentais e ações do setor privado buscando um maior equilíbrio entre os
modais. Nos Estados Unidos, por exemplo, considerando apenas os três modais
principais, as rodovias respondem por 32% do total de TKU transportadas,enquanto
que as ferrovias e as aquavias abocanham 43% e 25% do total de TKU
respectivamente. No Canadá o modal ferroviário responde por 46% do total de TKU,
enquanto que na Rússia representa 81% e na Austrália 43%.
Por aqui, ainda continuamos muito
distantes de uma política clara de valorização e desenvolvimento dos outros
modais. Nos últimos anos avançamos muito pouco na redução da dependência do
modal rodoviário, o que compromete a competitividade brasileira na exportação
de produtos de baixo valor agregado, do qual somos extremamente dependentes,
como minério de ferro, soja, açúcar, etc.
Felizmente,
fomos abençoados por Deus, e dispomos de um litoral maravilhoso, que se estende desde o cabo
Orange até o arroio
Chuí, numa extensão de
7.408 km, que aumenta para 9.198 km se consideramos as saliências e
as reentrâncias do litoral, no qual contamos,
atualmente, com mais de 30 portos em operação.
Mesmo com tantas benesses
naturais, ao olhar para frente, entretanto, não enxergamos perspectivas tão otimistas.
A cabotagem tem evoluído de
maneira satisfatória, mas mesmo assim, aquém das expectativas do mercado,
quando tratamos das tarifas e do nível de serviço. Os custos, que deveriam ser
30% a 40% inferiores ao do modal rodoviário, encontram-se em patamares muito
próximos ao dos caminhões, quando consideramos o trecho total. A nova lei que
trata da jornada de trabalho dos motoristas, limitando-a a no máximo 10 horas
por dia, tende a transferir uma parcela razoável da carga hoje transportada no
modal rodoviário para a cabotagem. Mas se isso ocorrer, teremos linhas
suficientes cobrindo as longas distâncias? Os portos atuarão de forma eficiente,
minimizando o tempo de retenção das embarcações? Os tempos em trânsito serão
realmente competitivos? O volume será suficiente para gerar reduções de custos
com ganhos oriundos da economia de escala?
Contamos com 42.000 km de
hidrovias, porém utilizamos ao redor de 30% disso para o transporte de cargas.
Vários fatores contribuem para o baixo desenvolvimento desse modal, como a
falta de investimentos do setor público, restrições ambientais, obras
dificultando a passagem das embarcações (pontes por exemplo), inexistência de
eclusas para transpor os obstáculos criados pelas usinas hidrelétricas, etc.
Desde a sua privatização em 1.996
o modal ferroviário vem recebendo investimentos das concessionárias, que ao
longo desses 16 anos contribuíram com cerca
de 33,5 bilhões de reais, correspondente a 95% do total investido no setor, ou
seja, a parcela que coube ao setor público foi de apenas 5%. Os investimentos
das concessionárias tem se restringido à recuperação da malha existente e na
ampliação da capacidade de produção com a aquisição de locomotivas e vagões. As
concessionárias preveem investir mais 16 bilhões de reais até 2015. Esses investimentos são importantes para o
setor obviamente, mas não é suficiente para resolver os principais entraves do modal
ferroviário, como a falta de uniformização das bitolas, a invasão das faixas de
domínio, a baixa velocidade de circulação das composições, as passagens de
nível, etc.
A malha ferroviária encontra-se
estacionada em 30.000 km desde a década de 60. A ampliação é cara e demorada, e
depende do setor público e da iniciativa privada. O Projeto da Ferrovia
Transnordestina, colocado em pauta pelo Governo de Pernambuco em meados da
década de 80, que pelo projeto atual passará pelos Estados de Pernambuco,
Piauí e Ceará e atingirá dois portos, em Suape (PE) e Pecém (CE), está
prestes a comemorar 30 anos e até agora pouco foi feito. A conclusão está
prevista para 2016, e o valor do projeto, inicialmente estimado em 4,5 bilhões
de reais, saltou para 7,5 bilhões de reais!
A malha ferroviária precisaria
ser, no mínimo, dobrada nos próximos anos para dar conta da movimentação de
materiais como minério de ferro, carvão mineral, soja, milho, etc. Isso deverá
representar um investimento de 50 a 70 bilhões de reais!
Na carga aérea vivemos um cenário
inusitado. Dispomos de pouquíssimas opções de empresas brasileiras exclusivamente
dedicadas ao transporte de cargas e dependemos do espaço existente nos porões
dos aviões de passageiros da TAM, GOL, Avianca e Azul/Trip. A maior empresa do
setor, a Varig Log, simplesmente deixou de existir, mesmo contando com
praticamente nenhum concorrente no mercado.
Não faltam boas ideias, projetos
e recursos financeiros. Além da questão crônica do combate à corrupção e desvio
de recursos, falta capacidade de planejamento, gestão e execução dos órgãos
públicos diretamente envolvidos com o setor de transportes como as agências
ANTT, ANTAQ, ANTF, Ministério dos Transportes, DNIT, DER e EBPL (recentemente
criada pelo Governo Federal). Falta também uma integração e um consenso entre
esse órgãos públicos e os sindicatos de transporte e as mais importantes
federações da indústria e comércio do país. E falta uma participação mais ativa
dos especialistas em transportes, procurando reduzir a conotação política e
eleitoreira atribuída ao tema em todo o país.
As eleições se aproximam e o
assunto voltará à pauta dos candidatos, servindo como plataforma para a (re)
eleição de muitos deles. Novas promessas serão feitas, novas cifras serão
requisitadas e novos PACs serão criados. Será que desta vez vai? Já passou da
hora de ir. Muitas obras serão realizadas com atrasos de 10, 20 e até 30 anos.
Os gargalos da infraestrutura estão cada vez mais aparentes e seus resultados
são cada vez mais perceptíveis e impactantes em toda a população e setores da
economia. Na terceira semana de julho deste ano, em pleno período de férias
escolares, a cidade de São Paulo atingiu um novo recorde de congestionamento,
de 300 km. Outras cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba,
Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Vitória e Florianópolis sofrem com o mesmo
problema de mobilidade urbana. Até quando esperaremos?
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